Ontem fiquei intrigada com a tal vírgula separando o sujeito do verbo em
uma frase de um outdoor da Coca-Cola. Veja posts anteriores no meu mural.
O que me deixou mais boquiaberta foi o fato de este outdoor ter sido
criado por uma agência "fodona" aqui de Porto Alegre, a DCS (segundo
informações postadas aqui do site Propaganda RS pela Karina Piazenski).
Enquanto eu não sabia qual era a agência responsável por este "erro",
me pus a criticar ferrenhamente, defendendo com unhas e dentes que não se
coloca vírgula entre sujeito e verbo. Por quê? Ora, pois! Para mim isso era uma
regra e quem trabalha com comunicação tem a obrigação de saber. Outra coisa é
que a gente sempre acaba atribuindo esse tipo de erro a um "Zé da
Esquina".
Mas, quando me dei conta dos responsáveis pela campanha, como disse em
um dos comentários, "me caiu os butiá do bolso"! Não porque cheguei
à conclusão de que até os fodões erram. Mas, sim, porque pensei: "eles não
podem ter errado deste jeito! Há algum propósito nisto tudo! Não foi de graça
aquela vírgula (desnecessária) separando o sujeito do verbo!" Justamente
porque a DCS é considerada uma agência top, já ganhou vários prêmios, e o mais
importante: tem grandes contas, o que torna sua responsabilidade cada vez
maior.
Por este motivo, voltei ao meu "Guia Prático do Português
Correto" - vol 4, do professor Cláudio Moreno, para tentar descobrir qual
o propósito desta incomodativa vírgula enfim, já que uma certeza eu tinha, não
deveria estar ali.
Para explicar melhor, primeiramente transcrevo alguns trechos sobre as
mudanças que ocorreram desde a Idade Média pra cá, sobre a finalidade da
vírgula:
“... houve mais que uma simples mudança na regra; o que ocorreu foi uma
mudança radical na concepção dos motivos para pontuar. A pontuação baseada nas
pausas vem do tempo da Idade Média, quando o Ocidente ainda não havia
introjetado o hábito de leitura silenciosa. Todos liam em voz alta, e
os sinais de pontuação serviam, portanto, para marcar as pausas e as
entonações."
"À medida que a leitura passou a ser silenciosa (e, por esse
motivo, muito mais rápida), deixou de ser necessário fazer a marcação das
pausas, liberando a pontuação para outra finalidade muito mais importante:
facilitar ao leitor o reconhecimento instantâneo da estrutura sintática das
frases."
(Guia Prático do Português Correto - vol 4, de Cláudio Moreno. Porto
Alegre, L&PM, 2010)
Então, antes a vírgula marcava as pausas; agora sua finalidade é facilitar a
leitura e a compreensão.
Um trecho que achei interessante destacar sobre isso:
"...todo
sinal implica em uma pausa, mas nem toda pausa tem seu sinal
correspondente." (Português para Convencer, de Cláudio Moreno e Túlio
Martins. São Paulo, Ática, 2006.)
Continuando, pelo o que pude apreender das coisas que li, não posso
defender que é uma regra usar a vírgula entre o sujeito e o verbo, mas sim, não
é aconselhável. É desnecessário. Mas não posso dizer que eles (o pessoal lá da
Agência) erraram, visto que, apesar de a pausa estar dada, mesmo não precisando
da vírgula, muitas pessoas ainda continuam com a ideia antiga. É como as coisas
que aprendemos com nossos antepassados e que continuamos repetindo sem
questionar. Se eles sempre fizeram assim e deu certo, por que não fazer?!
"Não coma melancia com leite, faz mal." Até você se acostumar com a
ideia de que isso não procede, leva tempo.
Pensando nisso tudo, acho que este outro trecho do livro do professor
Cláudio Moreno, resolve bastante o que acontece hoje.
Aqui ele responde a uma
dúvida de um leitor inconformado com a insistência de alguns em colocar vírgula
entre o sujeito e o verbo. Segue:
"...posso assegurar que a escola não tem culpa nenhuma. Não é por
falta de aviso que os brasileiros cometem esse erro, pois todo professor de
Português que conheço vive combatendo essa vírgula com a pouca energia que lhe
resta. O segredo está, na verdade, na primeira parte da pergunta: por que
alguém teria vontade de pôr uma vírgula bem naquele lugar? A resposta é muito
simples: o responsável por essa estranha mania foi o ensino da pontuação
baseado nas pausas, que vigorou por muitos séculos e chegou,
ao menos no Brasil, até a alegre década de 60, ainda no século XX. Já foi
comprovada a espantosa influência que nossas primeiras professoras exercem
sobre as crenças que teremos sobre a linguagem ao longo do nosso percurso para
a Vida Eterna. Aquilo que ouvimos nas primeiras letras vai nos acompanhar pela
vida afora - para o bem ou para o mal -, e poucos são os que conseguem
questionar os ensinamentos recebidos naquela tenra e feliz idade.
Ora, se perguntarmos a qualquer brasileiro onde fica a pausa mais
acentuada da frase, ele vai apontar exatamente para aquele espaço privilegiado
que separa o final do bloco do sujeito do início do bloco
do predicado. Se você quiser testar, convença duas pessoas a ler as
frases abaixo em voz alta e preste atenção no local em que elas vão fazer uma
pausa mais marcada:
Os quatro jogadores da Seleção # chegaram ontem a Barcelona.
O rato, o burro e o leão # resolveram firmar um pacto de amizade.
Posso apostar que todos os leitores farão a maior pausa bem onde eu pus
o #. É evidente que não podemos pôr uma vírgula aí - mas são tantos os
brasileiros que sucumbem a essa perigosa tentação que este é, sem dúvida, o
nosso erro mais comum em pontuação. A culpa não é deles: formados que foram
pela teoria que associava as pausas com os sinais de pontuação, acham muito
natural pespegar ali aquela vírgula que todos condenamos - o que obriga os
professores a lutar quotidianamente contra ela. Em outras palavras, é como se
distribuíssemos caixas de fósforos a todos os macacos da floresta e passássemos
o resto da vida a apagar os incêndios que nós mesmos provocamos."
(Extraído do livro Guia Prático do Português Correto - vol 4. Cláudio
Moreno. Porto Alegre, L&PM, 2010)
Pois bem, acho que está explicado o motivo pelo qual erros de pontuação,
como este do Outdoor da Coca-Cola, acontecem.
No início introduzi o assunto
afirmando que, pelo o que apreendi do que li, não posso dizer que eles estavam
errados. Mas chegando até aqui, vou me contradizer. Afinal, neste processo de
escrever e rever o que eu havia lido acabei percebendo coisas que eu não
"tinha me ligado" antes.
Se a finalidade da vírgula mudou e, hoje é
aconselhável que não a coloque entre o sujeito e o verbo, continuo acreditando
na inutilidade da tal vírgula naquele Outdoor e acho que a partir disso, posso
sim, dizer: está errado!
A propósito, escrevi este texto hoje pela manhã, pois fui dormir com este assunto na "caixola" e acordei pensando nele ainda. À tarde fiquei sabendo que admitiram o erro e que já estavam
tomando providências para tirar a vírgula (pentelha) dali! Ufa! Tremenda
responsabilidade essa nossa de atuar na área da Comunicação, hein?! Vai saber
quantos erros vão encontrar neste meu texto também?! Bueno, acontecendo isso,
por favor me avise e justifique, adorarei aprender um pouco mais.