quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Confiro-te o grau...

Nunca me esqueço de que, quando eu me formei no primeiro grau (na minha época era assim que chamava), meu pai chegou pra mim e disse que não teria mais condições de bancar meus estudos. Levei um choque. Perdi o chão. Todos os meus planos iam por água abaixo naquele momento. Afinal, eu já havia combinado com meus colegas mais chegados onde íamos estudar pra continuar sempre juntos. Era uma coisa importante pra mim. Alguns iam pra outras escolas mais longe, outros para colégios particulares, mas meus amigos continuariam comigo em uma escola estadual perto de casa. Fora que, putz!!! Eu tava grandona, né?! Passei pro segundo grau! 
O colégio, na verdade, não era tão perto, era preciso viajar de ônibus ida e volta todos os dias (e haja passagem!). Lembro que sua fala era cortante, como que me passava o recado (sempre intrínseco) de "não questione!" Mas logo ele complementou dizendo que se eu quisesse continuar estudando, teria que trabalhar pra cobrir meus gastos. Puxa! Então não era o fim! Senti um alívio e dei um jeito de arrumar um emprego rapidinho. Desde então, apesar de estar me formando um tanto tarde para os padrões, nunca parei de estudar. Tentei algumas vezes passar na UFRGS, pra isso, desde que terminei o segundo grau fiz cursinho pré-vestibular alguns anos, cheguei a estudar em uma outra universidade, mas não consegui manter as mensalidades. Nesta época, meu pai já havia falecido...
Sempre estudei em escola pública, foi então que resolvi tentar o PROUNI e fui fazer Publicidade.
Também nunca esqueço de que, um dia ouvi de minha mãe muito amolada, "pra quê estudar?" Pra ela, eu estava perdendo tempo e dinheiro pagando cursinhos, tentando vestibular, etc.
Na época fiquei muito chateada, além de boquiaberta com a falta de noção dela ao me dizer aquilo. Mas hoje, eu compreendo que nós tivemos criações muito diferentes e que as dificuldades que ela enfrentou, eu não cheguei nem perto, graças aos cuidados que tanto minha mãe quanto meu pai me dispensaram. Contudo, faz sentido que, de certa forma ela valorizasse mais o trabalho do que os estudos.
Meu pai estudou até a quarta série e depois ganhou a vida trabalhando duro, foi pedreiro, mestre de obras, foi artesão e virou comerciante. Tinha tino para os negócios. Era muito inteligente, bom de matemática que só ele, "se virava nos 30", pra que terminar os estudos, né?! Com este exemplo em casa, como eu podia achar que fazia diferença estudar?
Por essas e outras, quando penso nas malditas homenagens clichês que somos "obrigados" a fazer aos pais na colação de grau e, que até a pouco eu achava uma forçação de barra no fim das contas, é que me questionava, como vou agradecer ao meu pai que quase não me deixou estudar? Como vou agradecer a minha mãe, que um dia me disse pra desistir?! Os méritos são meus, oras!
Mas aí então eu penso que esses pequenos incidentes, apesar de marcantes, são tão insignificantes diante de todo o resto que fizeram por mim... Como por exemplo, quando eu era bem pequena, meu pai fazia os temas comigo. Me ensinava matemática. Abaixo de laço. Mas aprendi. É... "não dá pra dizer, puxa, como eu aprendi!" Mas na época, deu pro gasto! Ih... muito chorei tentando adivinhar quanto era cinco mais três, tipo... E quando eu tinha que passar os cadernos a limpo? Minha letra era um garrancho só! Ele não me dava moleza.
Agradeço aos meus pais, enfim, por conseguirem me educar, aos trancos e barrancos, por passarem o dia na rua trabalhando e às vezes até passarem fome, mas não deixarem faltar comida pra mim. Agradeço por me ensinarem a caminhar com as próprias pernas, me tornando independente.
Se não fosse o apoio deles, às vezes, de modo torto, talvez eu não tivesse conseguido chegar até aqui e estaria (quem sabe?) fazendo serviços domésticos para a ex-patroa da minha mãe, assim como foi com ela, que herdou a função da minha minha avó. Não que esse não seja um serviço digno! Não é isso! Se não fosse assim, eu não estaria bem linda e gorda, hoje! Mas não é o que eu vislumbrava para o meu futuro. Eu queria mais e... sabia que podia mais. Aí fui atrás com todas as dificuldades que pudessem me aparecer.
Agradeço especialmente a minha mãe, que mesmo depois de eu sair de casa, volta e meia ainda me quebra algum galho, me apoiando financeiramente, quando eu já deveria estar lhe ajudando.
Agradeço minha mãe, também porque, com o tempo ela se deu conta de que estudar não era em vão. E, muitas vezes que eu me queixei do quanto era difícil e cansativo, ela dizia: "Estuda minha filha! Falta pouco! Te forma pra melhorar de vida."
Então... aqui estou eu homenageando meus pais, não porque me vi forçada, mas porque eles realmente merecem. E se existisse "céu", tenho certeza que meu pai estaria lá agora emocionado, me olhando, cheio de orgulho e contente porque criou uma filha batalhadora, como ele, como minha mãe.

Taí o bendito canudo!!!
Aff! Até que enfim!


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Noites Brancas

Depois de ler Crime e Castigo, tentar reler duas vezes Notas do Subsolo e partir para uma terceira ainda, achei que Dostoiévski estava tirando um sarro da minha cara quando cheguei na metade do Noites Brancas. Resolvi dar um tempo da "historinha" porque estava achando sacal a amizade melosa e mal resolvida daqueles dois. Pensei: "Ah! Qualquer dia eu retomo!"
Hoje resolvi terminar o bendito livro. Quando estava quase acabando, o meu desejo era de que o autor matasse alguém no final, porque, putz! Que choromingação! Te contá! 
Enquanto lia não queria acreditar que a história corria o risco de confirmar sua chatice no final. Foi então que veio o ponto de virada. Ufa! Esse é o Dostoiévski que eu conheço! Não que a felicidade alheia não me toque, ou ainda, me irrite, mas foi muito tempo de sofrimento, cumplicidade, desejo e adoração, já estava ficando cansativo e até engraçado... eu pensava: isso não pode estar acontecendo!
Por fim a surpresa: Mulherzinha sem noção essa Nástienhka!!! Senti vontade de socar a cara dela! hauhauaha...
Mas depois ao final, não pude fugir à reflexão, que é justamente ao que o autor sempre nos incita. Não dá pra ler Dostoiévski sem depois ficar viajando, vai dizer?!
Afinal, o que tinha por trás disso tudo? Algo de surreal. O que geralmente chamo de surreal, interpreto como a mais dura, a mais pura realidade. O surreal é para mim "a coisa como ela realmente é". Por definição dizem que surreal significa além do real, algo ligado à estranheza, ao inconsciente, ao imaginário. É justamente a questão da estranheza que faz com que a maioria das pessoas classifiquem algumas coisas ou acontecimentos como surreais. 
Eu arriscaria dizer que muita gente que leu Noites Brancas, provavelmente achou o final surreal no sentido de adjetivá-lo como estranho, improvável, tipo, "isso no ecziste!!!" Eu achei surreal também, mas torno a dizer que o significado desta palavra (pra mim) é a mais pura realidade, a vida como ela é. E muitas pessoas estranham porque não querem ver ou ainda não acreditam que determinadas situações podem ser reais. Pois elas criaram outro mundo possível, mais fácil de se lidar, com suas regras e tudo no seu lugar, onde se pode ditar o que é certo e o que é errado e assim classificar tudo e todos. O que é real pra essa gente, na verdade, é pura fantasia! E quando têm oportunidade de se confrontarem com a "pureza/dureza" das coisas, não concebem.
O que tem por trás de tudo isso? Me pergunto de novo.

Uma das coisas que me chamou atenção, nos últimos trechos, foi um retrato do comportamento humano, sobre a questão das pessoas terem dificuldades com serem francas, dizerem o que sentem, o que pensam, dissimular, omitir... isso acarreta uma puta aflição porque tu não resolve o que está te incomodando. Prefere ficar julgando, adivinhando o que se passa com o outro ao contrário de esclarecer, promover um diálogo e ver no que dá. A chata da Nástienhka acaba se questionando sobre isso em um dos trechos, acompanha aí:

"...por que não havemos todos de ser como irmãos uns para os outros? Por que motivo, quando nos encontramos diante de outra pessoa, mesmo que ela seja a melhor do mundo, havemos sempre de esconder e de calar algo? Por que não havemos nós todos de dizer com absoluta sinceridade aquilo que trazemos no coração, quando sabemos muito bem que as nossas palavras não seriam em vão? Parecemos todos mais frios e taciturnos do que somos na verdade; pode-se dizer que as pessoas têm medo de se comprometer expondo com franqueza os seus sentimentos."

E não é que ela tem razão?!
Outra coisa que não passou em branco foi que Dostoiévski ao final da história parece traduzir o que é amar. E para muitos o modo como ele coloca isso é surreal. Pra mim o que ele fez foi dizer, "cara o amor é isso e assim é que se sente." 
É como se amar estivesse acima do bem e do mal. Não há julgamentos. Há o sentir, há a vida como ela é. 
A Nástienhka num primeiro momento, te faz pensar: "mas que mulher filha da puta, sem noção!!! Como assim?!" Mas aí então, tu "retrocede a fita", faz um balanço do que afinal existia entre os dois, até que ponto os dois foram culpados pelo próprio sofrimento ou ainda, pelo sofrimento do outro,  quem é responsável pelo o quê? E eu acabei chegando a conclusão de que, não há o que acusar, não há a quem acusar. A vida é isso mesmo. 
O amor continuou existindo apesar de. E aquele cara sonhador que se apaixonou por sua amiga, que gostava de outro, mas que por fim percebeu que também podia amar o amigo e, ainda assim, preferiu ficar com o outro, voltaria a sua vida miserável e sem sentido se escolhesse se afundar em mágoas, se escolhesse substituir o amor pelo ódio, se escolhesse se vingar e ficar longe. No caso dele, por que manter distância de algo que certamente lhe traria mais coisas boas do que se estivesse levando sua vidinha monótona?
Ele escolheu amar apesar de. E pra quem acompanhou o contexto, leu e sabe do que estou falando, digo que sua escolha não tem nada de surreal. É a vida como ela é. Ou como ela deveria ser. Talvez a gente sofresse muito menos se fantasiasse menos.
Dostoiévski tu é foda.