quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Noites Brancas

Depois de ler Crime e Castigo, tentar reler duas vezes Notas do Subsolo e partir para uma terceira ainda, achei que Dostoiévski estava tirando um sarro da minha cara quando cheguei na metade do Noites Brancas. Resolvi dar um tempo da "historinha" porque estava achando sacal a amizade melosa e mal resolvida daqueles dois. Pensei: "Ah! Qualquer dia eu retomo!"
Hoje resolvi terminar o bendito livro. Quando estava quase acabando, o meu desejo era de que o autor matasse alguém no final, porque, putz! Que choromingação! Te contá! 
Enquanto lia não queria acreditar que a história corria o risco de confirmar sua chatice no final. Foi então que veio o ponto de virada. Ufa! Esse é o Dostoiévski que eu conheço! Não que a felicidade alheia não me toque, ou ainda, me irrite, mas foi muito tempo de sofrimento, cumplicidade, desejo e adoração, já estava ficando cansativo e até engraçado... eu pensava: isso não pode estar acontecendo!
Por fim a surpresa: Mulherzinha sem noção essa Nástienhka!!! Senti vontade de socar a cara dela! hauhauaha...
Mas depois ao final, não pude fugir à reflexão, que é justamente ao que o autor sempre nos incita. Não dá pra ler Dostoiévski sem depois ficar viajando, vai dizer?!
Afinal, o que tinha por trás disso tudo? Algo de surreal. O que geralmente chamo de surreal, interpreto como a mais dura, a mais pura realidade. O surreal é para mim "a coisa como ela realmente é". Por definição dizem que surreal significa além do real, algo ligado à estranheza, ao inconsciente, ao imaginário. É justamente a questão da estranheza que faz com que a maioria das pessoas classifiquem algumas coisas ou acontecimentos como surreais. 
Eu arriscaria dizer que muita gente que leu Noites Brancas, provavelmente achou o final surreal no sentido de adjetivá-lo como estranho, improvável, tipo, "isso no ecziste!!!" Eu achei surreal também, mas torno a dizer que o significado desta palavra (pra mim) é a mais pura realidade, a vida como ela é. E muitas pessoas estranham porque não querem ver ou ainda não acreditam que determinadas situações podem ser reais. Pois elas criaram outro mundo possível, mais fácil de se lidar, com suas regras e tudo no seu lugar, onde se pode ditar o que é certo e o que é errado e assim classificar tudo e todos. O que é real pra essa gente, na verdade, é pura fantasia! E quando têm oportunidade de se confrontarem com a "pureza/dureza" das coisas, não concebem.
O que tem por trás de tudo isso? Me pergunto de novo.

Uma das coisas que me chamou atenção, nos últimos trechos, foi um retrato do comportamento humano, sobre a questão das pessoas terem dificuldades com serem francas, dizerem o que sentem, o que pensam, dissimular, omitir... isso acarreta uma puta aflição porque tu não resolve o que está te incomodando. Prefere ficar julgando, adivinhando o que se passa com o outro ao contrário de esclarecer, promover um diálogo e ver no que dá. A chata da Nástienhka acaba se questionando sobre isso em um dos trechos, acompanha aí:

"...por que não havemos todos de ser como irmãos uns para os outros? Por que motivo, quando nos encontramos diante de outra pessoa, mesmo que ela seja a melhor do mundo, havemos sempre de esconder e de calar algo? Por que não havemos nós todos de dizer com absoluta sinceridade aquilo que trazemos no coração, quando sabemos muito bem que as nossas palavras não seriam em vão? Parecemos todos mais frios e taciturnos do que somos na verdade; pode-se dizer que as pessoas têm medo de se comprometer expondo com franqueza os seus sentimentos."

E não é que ela tem razão?!
Outra coisa que não passou em branco foi que Dostoiévski ao final da história parece traduzir o que é amar. E para muitos o modo como ele coloca isso é surreal. Pra mim o que ele fez foi dizer, "cara o amor é isso e assim é que se sente." 
É como se amar estivesse acima do bem e do mal. Não há julgamentos. Há o sentir, há a vida como ela é. 
A Nástienhka num primeiro momento, te faz pensar: "mas que mulher filha da puta, sem noção!!! Como assim?!" Mas aí então, tu "retrocede a fita", faz um balanço do que afinal existia entre os dois, até que ponto os dois foram culpados pelo próprio sofrimento ou ainda, pelo sofrimento do outro,  quem é responsável pelo o quê? E eu acabei chegando a conclusão de que, não há o que acusar, não há a quem acusar. A vida é isso mesmo. 
O amor continuou existindo apesar de. E aquele cara sonhador que se apaixonou por sua amiga, que gostava de outro, mas que por fim percebeu que também podia amar o amigo e, ainda assim, preferiu ficar com o outro, voltaria a sua vida miserável e sem sentido se escolhesse se afundar em mágoas, se escolhesse substituir o amor pelo ódio, se escolhesse se vingar e ficar longe. No caso dele, por que manter distância de algo que certamente lhe traria mais coisas boas do que se estivesse levando sua vidinha monótona?
Ele escolheu amar apesar de. E pra quem acompanhou o contexto, leu e sabe do que estou falando, digo que sua escolha não tem nada de surreal. É a vida como ela é. Ou como ela deveria ser. Talvez a gente sofresse muito menos se fantasiasse menos.
Dostoiévski tu é foda.

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