domingo, 14 de agosto de 2011

A Regra de Ouro


Princípio ético universal:  “Não faças aos outros o que não queres que aconteça a ti” (Kant).

 






Aproveitando a viagem de uma hora, entre uma cidade e outra dentro de um ônibus, aquela menina lia seu livro.
Quase chegando a seu destino, embarca um rapaz com seu novo rádio mp3, desses que a gente pode ouvir bem alto, sem fones de ouvido. Seu repertório variava do pagode ao funk. Da minha parte, não tenho nada contra, desde que não me obriguem a ouvir. 
Essa é uma situação corriqueira, as pessoas apesar de sentirem-se profundamente incomodadas, não reclamam. Talvez por medo, ou ainda, por não querer arranjar confusão.
 Todos se olham contrariados, mas o guri que acha que está abafando, nem liga.
Depois de parar sua leitura e prestar atenção neste episódio, ela volta para sua história muito mais interessante e tenta se desligar. Porém, aquela música estridente, chata, com pretensos cantores choramingando, impede que ela se concentre.  Indignada, ela fecha o livro, olha para o corredor onde o menino está e faz um apelo:
- Por favor, dá pra tu colocar um fone de ouvido ou desligar este rádio? É que eu não to conseguindo ler...
O menino, com uma cara de mal, desafiando-a no olhar responde:
- E daee? Por que eu deveria me preocupar contigo? Nem te conheço aeee!
Ela levanta, vai até ele e diz:
- Por uma questão de ética. Pode ser? Ah, nãooo! Tu não deve saber o que é ética, não é mesmo? Tua preocupação deve ser apenas com “os mano e as mina” que tu “qué impressioná”. No teu mundinho medíocre, tu acha que impondo o teu mau gosto pra todo mundo que te rodeia, ta fazendo uma grande coisa, ta sendo gente. Mas eu vou falar a tua língua, “rapá”! – então, ela se aproxima um pouco mais dele e quase encostando o rosto ao seu, tira um revólver da mochila e aponta pro guri. Neste momento todos já estão de olhos arregalados e se esquivando, pensando que ela é louca.
O rapaz, com o revólver encostado abaixo do seu queixo, suplica:
- Peraí moça! Peraí! Cuidado com isso!
O discurso continua:
- Peraí o quê? Por que eu deveria me preocupar contigo? Eu nem te conheço!!! E aí?! Que tu acha disso?! Hein?! Hein?!
O menino concorda e resmunga um “aham, okay, okay”
 - Ética é isso meu irmão! A tua liberdade termina onde tu começa a prejudicar o outro, tá entendendo?! Tu tá entendendo, rapá?!
- Tá bom! Tá bom! Eu entendi!
- Por que tu não desligou essa porra ainda, guri?! Desliga isso! Vamo!
- Tá bom, tá bom, calma moça! Calma! Pronto já desliguei...
Sem desencostar o revólver, ela grita com o motorista:
- Para o ônibus que eu quero descer!
O homem para imediatamente, ela dá um safanão no guri e desce apontando sua arma em direção a ele ainda.
Todos respiram aliviados, murmurando uns com os outros, alguns não acreditam no que acabaram de presenciar, outros se divertem em silêncio. O cobrador saboreia uma espécie de vingança “por tabela”. Ela fez o que todos sempre tiveram vontade, mas nunca coragem. O menino, ainda em choque, se senta em um banco qualquer. O silêncio impera. A viagem segue.
Ninguém jamais esquecerá aquela aula prática da Regra de Ouro.
- Moça! Moça! Acorda, final da linha.


Um comentário:

  1. Meu depoimento: EU, filha do carbono e do amoníaco...monstro de extrema recalcancia ... Invariavelmente odeio todo mundo no ônibus...num momento muito feliz posso até simpatizar com alguma criança inquieta ou uma mocinha ou rapaz sonhadores...mas que, necessariamente, estejam quietos, e não me olhem, para que eu possa imaginar a vontade, quem são, com o que sonham...

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